Vamos começar definindo o termo, para que o resto do texto não seja deturpado no seu mais óbvio sentido:
canalha (ca-na-lha)
s. f.
A plebe mais vil, gente desprezível.
S.m. e f. e adj. Pessoa sem moral, desonesta; patife, infame, velhaco.
Isso, exatamente isso. Sem meias palavras, sem "eu quis dizer", sem "você não entendeu".
Canalha.
Ponto final.
Mas, seguindo adiante, quando e por que alguém se torna canalha? É de um momento para o outro? Claro que não. O canalha surpreende? Claro que não. O canalha é canalha desde sempre, desde o comecinho da história da sua vida.
Aquela personagem, por exemplo, que está grávida de um dos dois cinqüentões da novela das 8, a tal da Dora, não é Dora? É canalha. E eu disse isso no primeiro momento que olhei para a personagem. Comentei, argumentei, mas recebi um costumeiro "você é muito implicante" pela lata e fui-me embora.
Como não vejo a novela, a moça não me incomoda, mas para não deixar a minha sensibilidade enferrujar, sempre pergunto por ela, sobre o que ela anda fazendo e as respostas me levam sempre ao reforço da tese: canalha.
E isso serve pra que? Pois é. Não serve.
Mas deveria servir. Não serve, porque esta percepção funciona apenas quando não há qualquer forma de envolvimento com o canalha ou com a canalha. E espero que esteja claro que o envolvimento precisa ser emocional, mas não precisa ser sexual.
O homem, normalmente, quando é canalha tende para o cafajeste. Já a mulher tende para a "femme-fatale". Mas isso não é um modelo nem um defeito de ambos. É sabido que mulheres querem casos com cafajestes e não com carinhas muito legais. É só olhar a novela e conferir. Podem acusar novela de tudo, menos de não ser um retrato quase fiel da sociedade. Se não for, não dá audiência e aí babau.
Rarissimamente vejo, na vida real, uma mulher apaixonadíssima por um homem sincero e correto. O cara pode se fazer de, pode ser elegante, refinado, educado, fino, de excelente berço, mas...
Acho, sinceramente, embora me negue a afirmar, que homens preferem aventuras. Pode ser só no começo, pode vir a se tornar um casamento só, pode ser um namoro eterno, enquanto dure, mas precisa ter uma overdose diária de aventura xxx-rated para seguir nos trilhos.
Homens gostam mais das fêmeas mais fortes, imponentes, maduras e até desafiadoras. Elas estão sempre prontas e de acordo. Em geral não exigem assinaturas de contratos, termos de responsabilidade, seguro, nada. Elas querem deitar e rolar, no bom e no mau sentidos, por aí, sem qualquer dívida com a sociedade. Como elas dizem: não devem nada a ninguém.
Mas será que não estou sendo um machista/feminista tosco e radical?
Pode ser. E daí?
E não pode existir um meio-termo?
Claro que pode. Ele acontece exatamente quando um dos dois se apaixona, quando ama, quando "percebe" o outro lado do outro no outro lado do outro.
Não importa se homem ou mulher e isso não sou eu apenas quem diz. Bernard Shaw, Simone de Beauvoir, Pitigrili, Oscar Wilde, Mariana Coelho e mais um monte de gente que pensa, sempre escreveram de um modo muito parecido sobre o assunto.
Como diz "Lord Henry", em "O retrato de Dorian Gray", um homem e uma mulhere são perfeitamente capazes de viver felizes para sempre. Desde que não se amem."
É isso mesmo. Quando a gente gosta, se apaixona, se enamora, fica bobo, burro, surdo, cego e aí perde toda a sensibilidade pra olhar na cara e dizer: essa mulher é canalha. Esse cara não presta. E mesmo que consiga ver, no íntimo, é exatamente isso que quer: a dor, o sofrimento, a paixão, porque viu no outro o Deus ou a Deusa que ele não é.
Não estou apaixonado por ninguém. Não estou desabafando, não me refiro a quem quer que seja especialmente, mas à raça dos canalhas em geral, que uma vez desmascarada morre pra mim, para todo o sempre.
E isso é grave?
Sei lá. Deve ser.
Normalmente, como você, ela, ele, eu vivo tudo que o ser humano vive enquanto está encantado. Igualzinho. Aliás, escrevi uma letra, cuja canção, excepcionalmente, além do Carlinhos Michelsen, contou com a colaboração de uma querida mulher, que de canalha não tem absolutamente nada.
Ao contrário. Trata-se de uma pessoa fantástica, cuja identidade resguardo por ser pública, que desempenhou o papel de amiga incansável. Eu, sim, posso até ter agido como um canalha em determinado momento com ela. Mas nunca por dolo. Eu andava pra lá de Bagdá, apaixonado por uma 'deusa' e ela meio que acabou pagando o pato. Merece e tem o meu respeito, o meu carinho, a minha amizade, a minha admiração e, eternamente, a minha gratidão.
Na letra da canção que fizemos juntos, eu pergunto e eu mesmo respondo:
"Em quanto tempo passa, enquanto o tempo passa, o encanto e o encantamento? Não sei, mas sei... que passa. E não adianta pressa, não adianta trapaça, o tempo não se apressa, o tempo não se esgarça".
É exatamente isso. quando a gente está encantado, tudo em volta vira Michael Jackson, conto de fadas, beleza pura, sem pecado, sem sacanagem. Quando o outro erra, a gente perdoa na hora e entende, inclusive o que não dá pra entender e pra perdoar.
É assim que funciona. Pandora que o diga.
O fato é que para se aprender um pouco a perceber a presença de um canalha, antes, é fundamental que se entenda um pouco mais a paixão. Porque, sem a paixão a canalhice não tem a menor chance de contágio.
O estelionatário, conhecido como 171, antes de qualquer outra coisa, é o que? Um sedutor, não? Nada violento, sagaz, interessante, insidioso, mas paciente e sábio ao conduzir a relação ao ponto desejado. Uma vez atingido este ponto, sem o menor esforço, ele recebe o que deseja da sua vítima.
Afinal de contas, o desejo da vítima torna-se desejá-lo. Nada além disso.
Dando uma passada no Olimpo, onde os Deuses mitológicos mandavam e desmandavam na humanidade, a ponto de só eles terem o "privilégio" de "enlouquecer" pessoas, nos lembraremos logo que a origem da palavra paixão vem da Grécia; e que "pathos", que por sua vez originou o termo "patologia" acabou se bifurcando e gerando dois significados: doença e paixão.
Se a gente não usa uma grande angular quando pensa sobre uma determinada coisa, acaba vendo só parte dela, o que, aliás, acontece de qualquer maneira, porque não somo capazes, sequer, de unificar a realidade. Daí cada um ter o seu ponto de vista, o que é muito natural mas ao mesmo tempo muito mais obtuso.
O fato é que a paixão acontece quando nós, homens, heteros, nos vemos diante de uma Deusa - mulher que julgamos maravilhosa - ou quando você, mulheres, também, se por acaso, hetero, se vêem diante de um Deus - homem que julgam ser maravilhoso.
Uma vez enlouquecidos, ambos perdem a razão. E sem razão, ninguém distingue nada, principalmente a canalhice do outro.
Enfim, é preciso que haja um bom distanciamento para que o canalha seja desmascarado. E a razão deste texto é exatamente enfatizar a possibilidade que as redes sociais nos oferecem para rever, repassar e reviver momentos que passamos ao lado de canalhas, de todos os sexos, que, por suas vezes, passaram e que continuarão passando por nossas vidas, um tempo depois de terem passado.
Aconteceu comigo e já deve ter acontecido com você. A não ser que você seja um ou uma canalha. Aí não tem jeito, porque o lobo veste a pele do cordeiro, se faz de vítima, de injustiçado, até tomar fôlego e se levantar, vestido para matar, novamente.
Como tenho certeza de que este não é o seu caso, desejo apenas boa observação e diversão, ao longo do percurso.
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