Madrugada fria e deserta, aqui dentro.
Lá fora não: chove.
E a chuva não pára.
As águas pesadas, que há pouco desceram a montanha, já se foram, mas o fluxo turbulento permanece, lavando e levando tudo. Alma, tristeza, sofrimento e esperança.
O ímpeto acelerado da natureza, esta noite, ao que parece, permanecerá pra sempre dentro de mim. E posso ouvir, daqui, que logo mais - nem tanto, daqui a pouco -, as margens do rio vão estar alargadas e as ruas do centro vão estar alagadas, com os bueiros entupidos.
Água e lama. Mágoa e lama. Sem trégua.
O rio não pára.
A vida não pára.
Não sei se é melhor deixar-me levar e lavar-me, seguir o rio, a vida ou apagar a luz e tentar a sorte – o sono.
Ainda assim, o telejornal insiste em passar todos os dias pelo mesmo canal, no horário de sempre, como se a rotina não fosse mortal. A comunicação, fora da WEB, se tornou tão previsível quanto desprezível, se com ela não vem a reboque, uma fatalidade capaz de sacudir o mundo.
Todo telespectador é sádico e carnívoro.
Cada pedra da margem é um anônimo passageiro a ser polido pelo fluxo da corrente.
'Like a rolling stone', vai sendo arredondada, moldada, amaciada, até perder as arestas.
Seixo: roda sem eixo, a rodar, rodar, rodar sem parar.
Minha cabeça, já quase adaptada e pronta para receber ordens e executá-las como fazem os gerentes operacionais, roda na direção incerta do acaso.
Não há mais bússola.
Jack Sparrow por mim.
Imagino o que estaria a escrever se não estivesse o céu a chover. Talvez a letra de uma nova canção. Talvez um soneto prático.
A chuva diminuiu e parou.
O rio não: continua passando.
E as ruas do centro histórico devem estar quase vazias.
Eu não: estou cheio de tudo.
Vazio.
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