
Saí de casa às 4 da tarde, de ônibus, saltei praticamente em Botafogo e caminhei incessantamente até a praia, porque não poderia perder o mais lindo espetáculo da Terra: o Reveillon do Rio de Janeiro, futura sede dos Jogos Olímpicos e da final da Copa do Mundo. Não dos próximos, mas dos nem tão distantes.
Chovia.
Fomos eu, meu iPod, um guarda-chuvas de camelô, uns trocados no bolso e uma bolsa contendo farofa, franguinho, uma latinha de azeite cheia, (a pedido do Prefeito) uma lanterna pequena, uma garrafa de espumante, copo plástico - embora só, por precaução, levei 3 copos -, muita alegria, esperanças renovadas para o ano que vem chegando, fé, um sentimento de profunda fraternidade e expectativa, é claro.
Lá fui eu, caminhando, por entre a multidão, ao som de "Seca Pacotinho", Almir Guineto, Banda Eva e Jamelão. Fiz esta seleção especial para romper o ano, porque tudo que eu queria era me esbaldar. Não tinha companhia, mas estava muito bem acompanhado dos meus ídolos de raiz.
Seguindo pela Princesa Isabel, cruzei com o Barata Ribeiro, dei uma piscadela para a Nossa Senhora de Copacana, sem peso na consciência por ter deixado o Prado Junior pra trás, até, enfim, chegar ao calçadão mais Atlântico das Américas.
Cheguei ou fui chegado, sei lá.
Mas valeu à pena. A emoção de voltar ao Rio de Janeiro, depois de mais 5 anos morando em Petrópolis era "tudo de bom". Tratei de me embrenhar, pedindo licença, claro, pela multidão, dizendo, em looping, que a minha família estava guardando o meu lugar lá na frente.
Mentira, mas cá pra nós: eu não prejudiquei ninguém com a minha malandragem tipicamente carioca.
Educadamente, o povo abria para que eu passasse e não ouvi qualquer protesto. A multidão mais educada e civilizada do mundo estava ali comigo e "não poderia ser diferente".
Arranjei um lugarzinho, sentei-me na areia, abri a toalha e o guarda-chuvas, calmamente preparei meu 'jantarado' e fui "mandando ver", com colher de plástico transparente e faca sem serrinha.
A farofa, preparada pela Chris, estava uma delícia. Como não sou de ferro, escondi numa dessas garrafinhas achatadas nas quais os piratas estocam suas doses de rum, uns bons goles de Coca Zero e pus-me a fotografar as pernas e os pés do povo.
Que povo lindo. Meu Deus! Mas o que é isso?
Morenas, loiras, ruivas, mulatas, crianças de todos os sexos, modelos e anos de fabricação, acompanhadas de pais, responsáveis ou sozinhas, perdidas ou achadas, brincavam e brindavam felizes, leves, lépidas e fagueiras à espera dos grandes shows musicais, da aguardadíssima presença de celebridades e, claro, dos fogos de artifício.
A queima começou no horário marcado, à meia-noite em ponto, anunciada pelo Serginho Groissman - completamente bêbado, mas com a mesma simpatia das mais altas horas.
Fiquei emocionado.
Aquela multidão ordeiríssima, não merecia encharcar-se com a chuva e sim com samba, suor e cerveja.
E eu estava ali, junto e anônimo, só mas, coletivamente falando, "enquanto pessoa", em "família".
Para tornar a festa perfeita, só faltavam o Prefeito e a lua.
E não é que o Cobra Coral deu um jeito?
O Prefeito, solidário, às vítimas das enchentes e desmoronamentos, não foi, mas lua... ah, a lua. Lá estava ela, para olhar tudo de cima e abençoar a chegada de 2010.
O Rio estava dando mais um show de organização em mega-eventos. O mundo curvar-se-ia, horas mais tarde, extasiado, com tamanha integração racial, social, econômica e cultural.
Meia-noite, em ponto, como eu disse, sairam os primeiros morteiros. Os navios, os helicópteros e os iates, ancorados a pouco mais de 500 metros das balsas emolduravam a festa e contribuíam com um glamour à la Renier e Grace Kelly.
No lado oposto, vidraças cristalinamente límpidas e brilhantes refratavam as luzes, as cores e o clima de paz, amor e harmonia.
Uma festa e tanto.
Irretocável.
Decidi, depois de comer tudinho e repartir a garrafa de espumante com um bebum mendigão, voltar para o Grajaú, onde estou hospedado. Isso, talvez, por volta das 3 e meia.
Não adianta mesmo. Eu não gosto de espumante e adoro Coca Zero.
Caminhei no sentido contrário, pelo meio da rua e, à procura de qualquer condução que me trouxesse até, pelo menos, um pouco mais perto do que eu estava. Cumprimentei, de passagem, o Villa-Lobos, à porta do teatro e atravessei o túnel.
Já passando pelo Canecão, de repente e não mais que de repente, uma carona caiu do céu: numa Pajero com placa da Argentina. Dentro "do caminhonette", apesar de totalmente filmada, dava pra ver um casal com aparência estrangeira.
Ao me vir caminhando sozinho, o carro parou e uma voz, em portunhol, perguntou se eu ia para o Grajaú.
Meus olhos saltaram.
Estariam mesmo os tempos mudando, pra mim?
O casal, argentino, mas absolutamente calmo, sóbrio, delicado, simpático e sorridente, disse quase em uníssono: "Nosotrosomos porteños, pero que si, mas queremos retribuir el cariño e la cordialidad brasileña. Entre em lo coche e vamos arriba".
Agradeci, entrei e logo eles me ofereceram sanduichinhos triangulares de pão de forma com pasta de atum, peru ou salada de ovos, acompanhando um pet de 2 litros de Coca Zero, geladíssima, da Silva. devorei todos com salada de ovos e viemos conversando animadamente.
Falavam sobre a beleza da noite e tanto, que em determinado momento cheguei, deseducadamente, é verdade, a dizer que jamais esperei que um casal argentino pudesse ser menos arrogante que um casal de Maradonas.
Eles riram muito mas me alfinetaram, quando disseram que não perdiam um capítulo da novela das 8, pela Globo Internacional e que nela, "justamente" o Maradona é o melhor caráter dentre todos os personagens.
É verdade, fui obrigado a concordar com eles.
O que mais me intrigava o tempo todo, no entanto, não era bem isso e sim o fato de eu nunca tê-los visto antes e de eles terem perguntado se eu vinha, exatamente, para o Grajaú.
Cheguei a perguntar, mas a moça nem teve tempo para responder.
Acordei.
Nenhum comentário:
Postar um comentário