
Assim, tudo é prático quando funciona e inútil, quando não produz resultados. Não importa o tempo decorrido da vida, mas o que se fez durante os intervalos vividos à sombra e à água fresca dos pensamentos.
Durante a madrugada que passou - como em tantas - não conseguia dormir, parte, com raiva por ter feito uma besteira no meu PC, deletando sua própria BIOS; parte, porque, com a mais absoluta certeza, o ato, aparentemente involuntário, pareceu-me da mais pura convicção: vontade de deletar a enorme confusão que vem me cercando, nestes últimos dias.
Mas, avesso ao conformismo, em vez de acender a luz, pegar o carro, sair e dar umas voltas pela cidade vazia, experimentei a cegueira. Apaguei as luzes, peguei uma resma de papel em branco e pus-me a desenhar no escuro, guiado apenas pelas bordas relevadas de cada folha.
Numa delas, desenhei você. Não como é, mas como, cego, eu a vi naquele momento de vazio profundo. Traços firmes, descomprometidos, livres dos meus olhos sensores, deixei que o foco sensorial fizesse o seu trabalho, assumindo o compromisso de jamais rever o que desenhara. Afinal de contas, eu sou "cego", não sou?
Não sei se a desenhei em mente ou em espírito; se a desenhei em tinta ou em luzes. Apenas fiz o que me pareceu mais acordado - trocadilho válido para uma noite de insônia profunda.
Acordado, mas desenformado... acho que era assim que me sentia quando terminei de fazer o seu retrato.
Dobrei as folhas, guardei-as num tubo ou numa pasta, escovei os dentes, acendi a luz, abri a cortina e adormeci como um anjo.
Um anjo caído, torto, empenado, como aquele, no Canal, de Cabo Frio.
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