A PAIXÃO PELA MÚSICA

"Já tive mulheres de todas as cores / De várias idades de muitos amores...", houve uma época em que eu não podia ouvir esta música, porque ela fazia parte da história de uma mulher por quem eu era apaixonado. E, na história da vida dela, não era eu quem a cantava.

E, quando ouvia "Quero sua alegria escandalosa / Vitoriosa por não ter / Vergonha de aprender como se goza...", entrava em pânico, porque a mulher em questão, não aprendera comigo.

Lembrar destas catástrofres chega a ser divertido, desde que bem depois de se estar curado, não das paixões, mas das mulheres por quem a gente se apaixona.

Quem me conhece sabe que sou movido à paixão. Acho complicada aquela relação de amor, que se representa pelo chinelo, pelo jornal, pela rotina, pelo sexo sazonal, pela falta de interesse pelas coisas do outro.

Os casamentos não acabam porque o amor acaba, mas porque a paixão, o tesão, a fantasia, o sexo selvagem, voraz, a vagabunda, não moram mais ali.

Paixão pode ter de tudo e pode ser tudo: menos desinteressante.

Malu, minha comadre, afirma que, de tão over quando me apaixono, chego a ser barroco. O Cesar, amigo dos tempos de "fuscão azul diamante" aturou o meu baixo astral durante a Copa de 82, quando eu torci contra o Brasil, só pra não ver ninguém feliz por perto.

A paixão, quando dá errado, não acaba só com quem a vive, mas com todo mundo que vive à volta. A gente quer que todo mundo vá pro inferno, sofra, que todo mundo se arrebente, pra ver como está doendo aqui dentro, ó.

Eu entrei com um Puma GTS, pela frente do prédio de uma mulher, por quem quase enlouqueci - ou enlouqueci, sei lá, nem lembro mais -, no Leblon e destruí o Blindex todo. Porque ela marcou comigo e não apareceu, sem dar qualquer explicação. Quando fui procurá-la, ela estava com o ex-noivo, conversando amenidades.

Hoje, com certeza, eu diria um belo e sonoro: f...., virava às costas e ía embora, aliás, em boa hora. Mas dentro da paixão não dá pra fazer isso não. Não dá mesmo.

Os versos "Her hair is Harlowe gold / Her lips sweet surprise / Her hands are never cold / She's got Bette Davis eyes..." entraram na programação de uma rádio de rock onde trabalhei, só porque esta música tinha sido trilha sonora de uma paixão, em Nova York.

Numa outra rádio, no final de todos os programas que eu fazia, tocava este refrão: "And the bells / take their toll / once again / in victory chime /
And we / can / thank God / that we've finally got / peace in our time..."

Porque, claro, estava apaixonado.

Tudo, à luz da sanidade, absolutamente ridículo!

Mas, não é isso que me deixa preocupado.

Faz uns 35 anos e éramos todos jovens do exército do surf, no Grajaú. Eu, Bimba, Silvinho, Ney, Christina, Rosina, Elvira, Telma, Cesar, Vera, Amaury, enfim, era um monte de gente a compor, a tocar, a escrever, a cantar coisas autorais, inscrevê-las em festivais, sarais e outros ais, até que certo dia o Ney cantou:

"Vou lhe dar um conselho / Um conselho de amigo / Não se meta com ela / Se não vai se dar mal / O último que quis / Com ela se ouriçar / Cortei-lhe a cabeça / E mandei pra Paquetá".

Eu devia nem querer mais saber deste lindo blues, que cheguei a gravar em estúdio, com o "Mosca Varejeira", mas confesso abestalhado que eu estou decepcionado, porque , longe das cercas embandeiradas que separam quintais, eu ouço os acordes sonoros de Menescal e Bôscoli:

"O barquinho vai, e a tardinha cai
O barquinho vai, e a tardinha cai...".

Blackout

Pano rápido

Intervalo, de barquinho...

Epílogo

"O que mais me indigna em uma mulher á a sua capacidade de SER ou NÃO SER EIS A QUESTÃO.

Enquanto as que são, são, as que não são, são, mas insistem em afirmar que estão em dúvida, entre SER OU NÃO SER: EIS A QUESTÃO".

Céreditos

Fim