
"Eu precisava muito falar com você. Liguei para a sua casa, deixei vários recados na secretária eletrônica; deixei outros tantos no celular; enviei torpedos e scraps no Orkut. E-mails? Perdi a conta. Seu MSN parece manter-se bloqueado, por causa daquela briga que tivemos há 4 ou 5 dias".
A comunicação - ou a ausência dela - depois da internet e do celular tornou-se, ao contrário do que insistem em dizer por aí, muito mais pessoal e intransferível do que sempre.
Quando compramos uma Coca-Cola sem gas ou uma caneta Bic que não escreve, seja pelo SAC, seja pela internet, se realmente quisermos, chegaremos lá e diremos exatamente a quem de direito o que nos aflige. No tempo da carta e do telegrama, a desculpa mais fácil era a mais popular também: não vi, não chegou, não recebi. E nas ante-salas dos executivos mais importantes das empresas mais intransponíveis, lá sempre estavam as figuras da Secretária e do Assessor.
"Ele não está, no momento".
Não dá pra se fingir de morto. Se eu mando um scrap e você aparece online é claro que leu. E aí então, passamos para a fase dois do processo: li, mas não quis responder.
Nas velhas e dinossáuricas gravadoras isso acontecia a toda hora. O artista anônimo chegava com seu materialzinho debaixo do braço, metido num envelope, raramente com um cartão de apresentação e era barrado na porta: "Deseja falar com quem? Pode deixar comigo, eu entrego a ele."
Pura sacanagem. Puro abuso de poder, geralmente exercido por quem, exatamente, não tem poder algum. "Isto são ordis".
E as fitinhas cassettes se empilhavam no canto da sala de produção, sem nunca chegarem aos ouvidos do produtor.
O sucesso da Rádio Fluminense foi exatamente esse, ou seja, fazer isso ao contrário. A gente recebia, fosse o que fosse, ouvia à exaustão e se tivesse um mínimo de chances de tocar, tocava. Assim os Paralamas assinaram com a EMI: tocando Vital E Sua Moto, em fita cassette encartuchada, na Maldita.
Ninguém é obrigado a atender todo mundo.
Certa vez eu precisava pedir uma opinião profissional ao Nizan Guanaes, então executivo e criativo da DM9. Liguei do Rio pra São Paulo e atendeu uma paulistana daquelas de "is" por todos os fonemas. "No momeiiiiiiiiiinto ele não se encontra".
Deixei uns 15 recados e ele nunca me retornou.
Passaram-se os anos e nos cruzamos num show aqui no Rio. Ele abriu os braços e gritou para a minha - então - mulher: "você é uma mulher de muita sorte. Estar com uma das maiores inteligências do Brasil é um privilégio!".
E se ele não tiver Orkut ou se alguém, que tenha, o conhecer, pode contar exatamente o que leu aqui.
Ele irá confirmar.
Olhei pra ele e disse que ele era um bom canalha. Que eu o procurara - não para pedir emprego - mas como amigo que fomos durante anos, de dia-a-dia, na Artplan, e que ele nunca respondera.
"Vou demitir aquela mulher, quando voltar amanhã cedo".
Vai nada.
Cascata pura. É 'ordis' e 'ordis são ordis'.
Aliás, era.
Hoje, a gente pega o E-mail do cara, escreve pra ele, diz o que tem que dizer, cerca por outros meios e não tem desculpa. A pessoa pode não responder, não dar o ar da graça ou simplesmente ignorar.
Mas que leu, leu.
O mundo, redondo como ainda está, costuma rolar diante do próprio eixo.
Um eixo empenado, é verdade, mas ainda um eixo.
E nessas voltas que o mundo dá, muita coisa se mexe, se desarruma.
E mesmo que quem esteja em cima raramente venha pra baixo, já vi, muitas vezes, quem tava embaixo, chegar ao topo num piscar de olhos.
E aí... "Se precisar / faça um sinal / talvez eu pare...
Quer um conselho? Não deixe sem resposta quem está atrás de você.
Pode ser uma surpresa agradável e o seu dar de ombros pode mudar o seu próprio destino. Tenho um grande amigo, Antonio Carlos Harres - o Bola. Juntos, já fizemos do bom e do melhor: de palestras de astrologia à reveillon na Lagoa; de gravação dos EltonJohns, em Nogueira à Revolução Solar do meu mapa. Ele é um cara super ocupado, que vive emprestando seu tempo pessoal ao estudo da vida de cada cliente. E nunca deixou de retornar uma única ligação. É verdade ou não é, meu Capitão?
Xii..Sérgio que crônica bacana! Que situações típicas e atuais vc descreveu. Isso ainda acontece muito. Nesse processo de tentar publicar o meu livro "Albatroz", bati em muitas portas de editora e a maioria absoluta nem respondeu ao e-mail. Inclusive a transadinha e contraculturalista Editora Conrad, lá de São Paulo. O dono leu? Claro que leu! Mas ignorou, assim como o cara da Ediouro etc.etc. Mas o livro sai independente...Eles não podem deter a primavera como disse el Che!!
ResponderExcluirTrocando figurinhas com a Fernanda Young, descobrimos que essa turma que não responde e-mail, que prefere o silêncio covarde, é a tribo do NADA!!! Mil vezes a turma do NÃO! do que a tribo do nada, vc não acha? O Não é infinitamente mais digno.