
Não penso exatamente como ela, mas arrisco um palpite de que mesmo no casamento, isso faz sentido. Talvez eu mergulhe nesse papo num outro post. Vamos em frente.
Minha mãe era uma mulher incrível, de poucos mas grandes amigos e amigas. Já escrevi sobre ela aqui, mas nunca me farto. Não choramingo pelos cantos, não lamento sua ausência, posto que viveu sua vida toda, mas que ela faz falta, faz. E não só a mim. Tem muita gente aqui no Orkut e fora dele, que adorava conviver e conversar com a Dona Air.
Dentre suas virtudes, a maior, eu acho, era não ter razão em tudo. Ela era o resultado do que pensava - nem sempre do que sentia - e pensava muito antes de dizer qualquer coisa. Fomos mais do que amigos. Fomos cúmplices e sempre sempre sempre telepatas. Eu pensava, ela intuía e me ligava. E vice-versa.
Hoje, não faz ano nem mês nem dia que ela fez ou deixou de fazer nada. Não é preciso. Sempre lembro muito dela e das coisas que aprendi com o nosso convívio. Uma delas foi a diferença entre USO e ABUSO.
Minha mãe era uma pessoa incrivelmente usável. Prestativa, atenciosa, generosa até, se desdobrava para atender aos mais inusitados pedidos. Certa vez alguém lhe pediu que fosse avalista na compra de um bem. Ela não era do tipo que dizia "vou pensar", "não sei, vou resolver", nada disso: era pão pão, queijo queijo. E ela, de pronto, topou.
Imediatamente, conhecendo a pessoa que lhe pedira, eu a questionei. "Pirou? Ficou maluca? Vai se meter numa roubada e sabe que vai", ao que ela respondeu: "pode ser que sim, mas pode ser que não".
A pessoa era gente boa, mas não era mesmo confiável e quase todo mundo sabia disso. Inclusive ela. Desfilava nas passarelas da moda, jogava charme pelo mundo afora, viajava, ia a bons restaurantes. E era, realmente, sua amiga.
O tempo passou, o contrato terminou e a pessoa jamais atrasou o pagamento em um único dia. Aquilo me deixou intrigado, mas como não adiantaria tocar no assunto com ela, fui perguntar à própria pessoa, que me disse o seguinte: "Serginho, a prestação vencia sempre no dia 5 e quando eu ia pagar, eu via que o valor estava depositado na minha conta, em nome da sua mãe".
Eu quase caí do cavalo. Não que minha mãe não fosse uma pessoa capaz de fazer isso pelos amigos, mas porque aquilo, simplesmente, não fazia sentido. E prosseguiu: "nos dois ou três primeiros meses, aquilo me impressionou tanto - e ela jamais tocou no assunto comigo - que eu não teria como não pagar a prestação e, claro, devolver o dinheiro a ela. Sua mãe foi a minha melhor amiga, em toda a minha vida. Não por ter pago as prestações pra mim - afinal, eu sempre paguei de volta e isso não precisou acontecer mais, porque eu passei a pagar até com mais antecedência do que ela, mas porque ela me ensinou o que ninguém jamais me ensinara antes: a confiar nos outros. A partir desse dia, eu mudei minha vida, e passei agir de forma completamente oposta, sem gastar mais do que ganhava, sem contrair dívidas impagáveis".
Não satisfeito fui a ela e disse que sabia do que havia acontecido e ela simplesmente sorriu e me respondeu que as pessoas, quase sempre, confundem USO com ABUSO. Ela disse que simplesmente quem está acostumado a USAR as pessoas, acaba ABUSANDO delas de alguma maneira. E que o que ela fizera, simplesmente, foi lembrar àquela pessoa do seu compromisso, durante aqueles meses. E funcionou.
"Mas, e ela não pagasse?"
"Eu teria que pagar, claro. Mas eu não fui fiadora porque ela não ia pagar e sim porque ela ia pagar, como pagou".
"Mas, se não pagasse?"
"Ah, simplesmente perderia o privilégio de me USAR sempre que precisasse. Meu filho, as pessoas podem ser ignorantes, mas raramente são burras".
Sobre o lance da intimidade, que cada um pense a respeito.
É isso.
E mais: tequila evaporada e chuva muito forte sobre o túmulo da Dona Air de Oliveira Magalhães Vasconcellos. (Uma garota que, como eu, amava os Beatles e os Rolling Stones)
Me Dá Um Dinheiro Aí
Dentre suas virtudes, a maior, eu acho, era não ter razão em tudo. Ela era o resultado do que pensava - nem sempre do que sentia - e pensava muito antes de dizer qualquer coisa. Fomos mais do que amigos. Fomos cúmplices e sempre sempre sempre telepatas. Eu pensava, ela intuía e me ligava. E vice-versa.
Hoje, não faz ano nem mês nem dia que ela fez ou deixou de fazer nada. Não é preciso. Sempre lembro muito dela e das coisas que aprendi com o nosso convívio. Uma delas foi a diferença entre USO e ABUSO.
Minha mãe era uma pessoa incrivelmente usável. Prestativa, atenciosa, generosa até, se desdobrava para atender aos mais inusitados pedidos. Certa vez alguém lhe pediu que fosse avalista na compra de um bem. Ela não era do tipo que dizia "vou pensar", "não sei, vou resolver", nada disso: era pão pão, queijo queijo. E ela, de pronto, topou.
Imediatamente, conhecendo a pessoa que lhe pedira, eu a questionei. "Pirou? Ficou maluca? Vai se meter numa roubada e sabe que vai", ao que ela respondeu: "pode ser que sim, mas pode ser que não".
A pessoa era gente boa, mas não era mesmo confiável e quase todo mundo sabia disso. Inclusive ela. Desfilava nas passarelas da moda, jogava charme pelo mundo afora, viajava, ia a bons restaurantes. E era, realmente, sua amiga.
O tempo passou, o contrato terminou e a pessoa jamais atrasou o pagamento em um único dia. Aquilo me deixou intrigado, mas como não adiantaria tocar no assunto com ela, fui perguntar à própria pessoa, que me disse o seguinte: "Serginho, a prestação vencia sempre no dia 5 e quando eu ia pagar, eu via que o valor estava depositado na minha conta, em nome da sua mãe".
Eu quase caí do cavalo. Não que minha mãe não fosse uma pessoa capaz de fazer isso pelos amigos, mas porque aquilo, simplesmente, não fazia sentido. E prosseguiu: "nos dois ou três primeiros meses, aquilo me impressionou tanto - e ela jamais tocou no assunto comigo - que eu não teria como não pagar a prestação e, claro, devolver o dinheiro a ela. Sua mãe foi a minha melhor amiga, em toda a minha vida. Não por ter pago as prestações pra mim - afinal, eu sempre paguei de volta e isso não precisou acontecer mais, porque eu passei a pagar até com mais antecedência do que ela, mas porque ela me ensinou o que ninguém jamais me ensinara antes: a confiar nos outros. A partir desse dia, eu mudei minha vida, e passei agir de forma completamente oposta, sem gastar mais do que ganhava, sem contrair dívidas impagáveis".
Não satisfeito fui a ela e disse que sabia do que havia acontecido e ela simplesmente sorriu e me respondeu que as pessoas, quase sempre, confundem USO com ABUSO. Ela disse que simplesmente quem está acostumado a USAR as pessoas, acaba ABUSANDO delas de alguma maneira. E que o que ela fizera, simplesmente, foi lembrar àquela pessoa do seu compromisso, durante aqueles meses. E funcionou.
"Mas, e ela não pagasse?"
"Eu teria que pagar, claro. Mas eu não fui fiadora porque ela não ia pagar e sim porque ela ia pagar, como pagou".
"Mas, se não pagasse?"
"Ah, simplesmente perderia o privilégio de me USAR sempre que precisasse. Meu filho, as pessoas podem ser ignorantes, mas raramente são burras".
Sobre o lance da intimidade, que cada um pense a respeito.
É isso.
E mais: tequila evaporada e chuva muito forte sobre o túmulo da Dona Air de Oliveira Magalhães Vasconcellos. (Uma garota que, como eu, amava os Beatles e os Rolling Stones)
Me Dá Um Dinheiro Aí
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