
Chocado, enxagüei minhas mãos na água fria e as levei ao rosto, em busca de um choque térmico que me trouxesse de volta à realidade. Mas a minha realidade era pura ficção. A realidade estava ali, diante dos meus olhos, refletida, sem dó, como resultado de uma vida gasta nos mínimos detalhes. E, pobre, eu, que quando reencontrava velhos amigos, depois de muito tempo sem vê-los, saía com a certeza de que eles tinham envelhecido demais.
Auto-traição. Estou acabado.
Ao meu lado, elegante e sem demonstrar qualquer surpresa, Virgínia não concorda com meu espanto. Pra ela, nos últimos 60 dias, pouco ou quase nada mudou em mim. Pra ela, eu não estou acabado nem envelhecido. Pra ela, eu sempre fui acabado e envelhecido. Ela sempre me viu assim. Ela sempre dizia isso e eu sempre achava que era implicância. Não era. Ou era, mas era verdade também.
Aos 54 anos, sobrevivente de uma geração de doidos, malucos, suicidas em potencial, junkies e subversivos, brasileiro, heterosexual convicto, eu me achava não só inteiro, mas lúcido, esclarecido, consciente de que o tempo passa e a gente envelhece, mas "tudo bem".
Estranho tudo isso. Eu continuo, virtualmente, correndo meus 12 km por dia, continuo, virtualmente, malhando meus 1000 abdominais, virtualmente, nadando 5000 metros, três vezes por semana, virtualmente, me alimentando bem, dormindo cedo, acordando cedo.
Isso não faz o menor sentido.
Trêmulo e inseguro, peguei o telefone e liguei para o Amaury. O Amaury é o amigo pra quem a gente deve ligar nessas horas: frio, prático, objetivo, sincero e positivo. Ele atendeu e fui logo perguntando: Amaury, eu tô acabado? E ele: claro. Eu insisti: você tem certeza? Ele retrucou: tenho. Você, eu e todo mundo que está entre os 50 e o s 60. Mas, como assim? Você acha que eu estou mais acabado que o Sergio Endrigo, por exemplo? Que o Serginho Groissman? Que o Sergio Chapelin? Sergio, pára com isso. Escuta uma coisa: lembra de quando você tinha 18 anos? Lembro, claro. Pois é, nessa época, seu pai tinha quantos anos? 51, respondi. Pois é. E como é que você se referia a ele? Meu velho isso, meu velho aquilo, meu coroa, não era assim? Sim, é verdade. Pois é. É isso. Mas, por que a pergunta, posso saber? Pode. Eu acordei, vim até o banheiro, me olhei no espelho e levei um susto. Aí fui falar com a Virgínia e ela disse que é isso mesmo, ou melhor, que não é nada disso e que eu tô velho faz um tempão. Ela disse que quando me conheceu, eu já era baixinho e velho.
Sergio... escuta, deixa isso pra lá. Como assim, Amaury? Esquece isso, relaxa. Mas como? A Virgínia está aí contigo? Claro, por que? Olha pra ela e me diz o que você acha? Ela tá muito acabada, também? Não. Tá ótima, inteiraça, 46, com corpinho de 35 e cabeça de 45 e meio.
Então pronto. Um abraço.
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